sexta-feira, 16 de julho de 2010

Cartas de Amor






CARTA A OFÉLIA QUEIRÓS - 27 DE ABRIL DE 1920

Meu Be«be»zinho lindo:

Não imaginas a graça que te achei hoje á janella da casa de tua irmã! Ainda bem que estavas alegre e que mostraste prazer em me ver (Álvaro de Campos).

Tenho estado muito triste, e além d'isso muito cansado - triste não só por te não poder ver, como também pelas complicações que outras pessoas teem interposto no nosso caminho. Chego a crer que a influência constante, insistente, hábil d'essas pessoas; não ralhando contigo, não se oppondo de modo evidente, mas trabalhando lentamente sobre o teu espírito, venha a levar-te finalmente a não gostar de mim. Sinto-me já differente; já não és a mesma que eras no escriptorio. Não digo que tu própria tenhas dado por isso; mas dei eu, ou, pelo menos, julguei dar por isso. Oxalá me tenha enganado...

Olha, filhinha: não vejo nada claro no futuro. Quero dizer: não vejo o que vãe haver, ou o que vãe ser de nós, dado, de mais a mais, o teu feitio de cederes a todas as influencias de familia, e de em tudo seres de uma opinião contraria á minha. No escriptorio eras mais dócil, mais meiga, mais amorável.

Enfim...

Amanhã passo á mesma hora no Largo de Camões. Poderás tu apparecer à janella?

Sempre e muito teu

assinatura de Fernando Pessoa














































Eu queria ser do tempo em que se escreviam cartas de amor, assinadas a punho, com canetas das que borram nas mão. Passar horas à janela à espera de ver o meu amor, trocar um sorriso, um pequeno aceno e levar o coração cheio para os meus sonhos. Noites onde pouco ou nada era permitido, mas muitas vezes acontecia na mesma, entre fugas tardias por escadotes encostados às paredes carregadas de heras e buganvílias. Queria as conversas sussurradas ao ouvido das amigas e as horas perdidas com o diário. Os sonhos trabalhados em planos a dois, as fotografias a preto e branco, o anel de prometida. Eu queria acreditar num amor para toda a vida, numa família a crescer e numa morte serena. E palavras escritas para sempre, eu queria as palavras...

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